Ruidocracia

É sempre bom ver um neologismo seu se proliferar

ruidocracia
{estudo para o arcano XIII}
[1+12=13]Dentro da democracia dos signos não há espaço possível para o ruído, relegado à mera função de interferência ou adorno no paisagismo. Com isto sacrifica-se à margem qualquer possibilidade de sondagem profunda do ruir em si mesmo quando parte-se da linguagem.
[2+11=13]O signo do ruído é o cerne da tecnicologia dos dois extremos controles do demo(massa) aurais: No religar semiótico, permite aos ciclopes a contemplação da própria morte(XIII) ao mesmo tempo que os atira na surdez das iterações(progressões de redundâncias timbrísticas), eterno retorno da escala ao paraíso perdido da harmonia subjetiva(Ninguém me acertou). Já nas políticas simbólicas, gera os limiares das interações materiais dos objetos sonoros seja pela imanência heurística que transmuta o ruído novamente em sonema, como pela homeostasia dos sistemas musicais que imprime o foco tonal à redundância sonora de acordo com as dinâmicas entrópicas da rede.
[3+10=13]Podemos então falar de um ciclo de três modos de escuta do ruído dentro à natureza composicional, assim como podemos pensar um sentido como ruído(impregnação) do outro. Mas ainda, o multimídia quer estar em todas as modas ao mesmo tempo, para as dest'ruir.
[4+9=13]Ruído científico-profano: O ruído organizado como se observa no ícone matemático do ruido branco(white noise). O empalidecimento dos matizes cromáticos do barulho
gerado na síntese log arrítmica compõe a síntese dum espectro afetivo-racional. Os cães, como a estrela Sirius de Stockhausen vêem em preto e branco e ouvem melhor a síntese granular das altas freqüências que a pulsação esféride.
[5+8=13]Ruído sagrado: O índice dos silêncios potenciais, as paisagens sonoras em suas implosões de cores e sutileza de matizes. O templo é sagrado porque não está à venda para culto algum, o tempo é sagrado porque não pode ser cartografado. Color noises. João Jaula, procurando silêncios encontrou ruídos, buscando morangos achou cogumelos, buscando o tempo se deparou com a dança e a performance.
[6+7=13]Ruído comercial-laico: O barulho é o produto cultural ideal, pois não distingue a produtores e consumidores, mantém o trabalho da escuta no nível prototípico da soação sem perder nada da geometria tipológica da música. O que não é barulho brilhante no mercado cultural se restringe a interferência sistêmica(metaruído), mas sempre haverá um nicho de consumidores ávidos por turbilhões e é do mote fordista any color you lik
e as long as it's black que os sabbaths encontram seu caminho no seio da indústria da rebeldia. Black noise. Xenakis, o arquiteto busca ver com os sons pelo resto de sua vida o brilho da granada que lhe tomou um olho e um ouvido. A estocástica como religiosidade científica do ruído, a composição concreta dos desertos em rolos de memória. É noise na fita!
[0+13+0=13]O ideal de um mundo sem ruído político é alcançado pelo entranhamento de dois modos de conduta sonora: Uma codificação quântica em velocidades sempre acelerantes que prende os ouvidos pelas cadeias de Markov a uma certa faixa repertorial(as óperas de surdos-mudos da Cia. Invisível de Teatro Alchemico), ao mesmo tempo que uma exclusão pela inclusão como a observada no maximalismo academicista do fim de século. Este, pelo cálculo de todos os afetos musicais se nega a sentir as escutas que produzem seus sons(dir
eito autoral / dever atuante); se assemelhando assim com a irreversível entropia dos mercados de pasteurização fonográfica, que por excesso de redundância passaram a ser não mais que barulho para muitos.
[13+1=14]Laranja Eletrônica, os sonhos tangerinas dos rappers hackers acionistas de Beethoven nos templos do mantra de baixa tecnologia cruzam Dylan escarrando num intonarrumori: "Em direção ao abismo metálico entre os transistores e as cordas das guitarras... o ruído branco encontrará enfim o blues dos negros, as musascagam minérios em nós da névoa roxa antevista pelo terceiro ouvido de Hendrix ao roxo profundo das cabeças de máquinas... Nobody's gonna beat my car / It's gonna break the speed of sound / Oooh it's a killing machine / It's got everything."
[13+2=15]Sketch's Kitsch! A música como a melodia é em tempos de ostentação ruidística sempre meramente esboçada: ou sublimada pelo escárnio ou r
emixada pela obsolescência programada. Vês as rédeas que os produtores colocaram nas bandas pelas próprias bandas de freqüência? No futuro toda canção terá seus 15 segundos de barulho.
[13+3=16]O kitsch trabalha sempre sobre a ânsia de "querer parecer vanguarda" lembra Abraham Moles. O processo de sedução dupla da canção pop(por expansão novideira pseudocientífica e tradicionalismo hedonista pseudoreligioso) submergirá os famosos três acordes em camadas de atmosferas sonoras e hipnoses subliminares, do mesmo modo que engoliu a música geométrica pela ideologia significante(os violinos ao fundo do rap) e o transe mitológico pelo folclore(a onda de acústicos e a percussão maquínica).
[13+4=17]Pagu disse para Oswald: "A industrialização é, pois, por natureza, um desenvolvimento maternalístico". Quando toda a arte se sujeita ao desígnio do evolucionismo adaptativo dos modos de escuta estética o desáine se apresenta como padrão
de conduta ética do artista, que é reduzido a projetista de sensibilidades através de impulsos semânticos na vida pública privada. Aí, resta ao ruir artear.
[13+5=18]Canção, praça pública da música. Se podemos falar de democracia nos âmbitos do som seria, em termos tonais, o de uma arbitrariedade consentida de relações intervalares. Há caminhos sonoros que todos percorrem, há os cumes e cimos. Do metal ao doom há um duplo movimento de criação de uma micropolítica estética própria, ao mesmo tempo uma guturalização animalesca das macroestruturas industriais da forma-banda e uma complexificação das microestruturas digitais que almeja uma comedida máscara de desregramento. A corrupção se miniaturiza e toma entornos de uma opção estética, lógica da preferência tribal. Dietas das escalas pantone de ruído.
[13+6=19]A escultura ruidística como estilística do drone já tomou até mesmo as salas de dança com o Umwelt(Maguy Marin) mas ainda se mantém como linguagem de
resistência criativa à cultura capital nos undergrounds de todo o mundo. Merzbow pode bem ser colocado como o legado de Steve Reich e também como membro de uma guerrilha postgrindgore crystalpunk. Isto se dá porque o drone enquanto arquitetura fluida é a escolha pela especialização nas massas bonitas e sublime(imperativo estético legal kantiano), onde a formação sobrepassa a informação pela sua completa aceitação.
[13+7=20]O modelo dos carros muda, o som dos motores continua o mesmo. Enquanto você não parar seu carro não fale do meu drone, enquanto seu carburador queimar ossos não reclame de meu cigarro. Eis o ruído como nuvem de proteção radioativa, escudo eletromagnético da escuta nômade contra quaisquer arapucas de estilos. Bruito o retorno pós-apocalíptico à natureza da acusfera ionizada pelos impérios radiantes. Pitágoras a Orfeu no túmulo de Hermes: "Inaudivelmente alto, enternamente durante, longe alcançando", quando abre os olhos para ouvir a resposta vê Orfeu se afastando no horizonte cantando.
[13+8=21] Ao ruído nem som nem música resistem. À cibernética, rede
de volantes de volantes de redes de poderes, o carro serve de catedral barroca hipermoderna. Gonzalez me disse na lojinha de souvenirs da capela de ossos: "O modo diabólico está para o pós-moderno como a imagem do cristo para os barrocos". Na democracia dos signos, o ruído(e isto pode incluir tudo que soe de acordo com o desejo de escuta) é relegado ao âmbito de loucura, fazendo da própria escuta uma doença por envenamento(pharmakón).
[13+9=22] Devemos compreender que o registro direto do som é um fato novo na história do homem (a que os teosofistas nomeavam prisma das cores pela luz): data de pouco mais de meio século. Pensemos também no desenvolvimento dos processos audiovisuais(a harmonia sinestésica). Na época da reprodução da obra de arte(XV), torna-se obsoleta a idéia da arte desfrutada enquanto objeto raro e aparece a idéia da arte como contágio semiótico(Burroughs) A própria idéia da arte(III) é posta em questão. O que observamos em no
sso tempo é a explosão da informação sonora. A fartura(e miséria) do nosso tempo(ruídos inclusive) aumenta na medida mesma em que se difunde pela coletividade. A massa consome signos sonoros em massa. O modo tradicional de ouvir e compreender a música constitui uma pré-ordenação arcaica, com seus significados esclerosados, que não podem ser impostos ao grande público, pois a este o mundo industrial fornece tantos e tais meios de acesso e consumo do mundo sonoro, que ele próprio vai desenvolvendo sua capacidade de seleção e inteligibilidade. O que era qualidade se transforma em quantidade e é preciso encontrar os signos correspondentes a esta, para sua efetiva comunicação. O mundo das coisas vai-se dissolvendo e cedendo lugar ao mundo dos signos e da comunicação vital e vivencial. O mundo das coisas é feito de posse privada, o mundo dos signos, para a comunicação e a cultura pravida. Os objetos industriais(incluindo sua música), hoje, participam também da natureza da lingu
agem. O caos da informação sonora que nos aturde está a exigir uma ordem (não-definitiva - mas probabilística e mutável). Ordenar é selecionar e codificar. Codificar é transformar em signos - significar, tornar inteligível. Portanto, é comunicar. Aos trabalhadores do ruído, resta trabalhar dentro dos meios de comunicação de massa até que o sistema se transforme e seja absorvido. E ruir como imanência, ser o barulho de si mesmo no corpo coletivo. Zumbi indo!